19/12/2024

Silvio Santos e a comunidade LGBTQIA+: um legado de contradições e visibilidade

Recentemente, o ‘Prêmio Melhores do Ano’ homenageou Silvio Santos com um prêmio póstumo, reconhecendo a contribuição do icônico apresentador à televisão brasileira. Silvio Santos, que faleceu este ano, construiu uma relação peculiar com a população LGBTQIA+, marcada tanto por avanços em termos de visibilidade quanto por momentos polêmicos envolvendo brincadeiras consideradas inadequadas.

Ao longo de sua carreira, Silvio Santos deu voz a diversos artistas e personalidades LGBTQIA+ em sua emissora, o SBT. O apresentador foi um dos primeiros a abrir espaço em rede nacional para drag queens e travestis, numa época em que a presença dessas identidades na mídia era rara e frequentemente estigmatizada. Programas como o "Show de Calouros" e o "Programa Silvio Santos" foram palcos de apresentações artísticas de grandes nomes da comunidade, como Rogéria, um ícone trans dos anos 1970 e 1980, e Nany People.

"O Silvio tinha a capacidade de dar espaço para o inusitado e o diferente", comenta o advogado e ativista LGBTQIA+, Nilton Serson. "Isso foi importante, especialmente em uma época em que a visibilidade LGBTQIA+ era quase inexistente. Ele abriu portas para artistas que, de outra forma, talvez nunca tivessem tido a chance de mostrar seu talento ao grande público."

Apesar dos avanços promovidos por Silvio Santos, sua relação com a população LGBTQIA+ também foi marcada por críticas. O apresentador costumava fazer piadas e comentários considerados inadequados em relação à orientação sexual e à identidade de gênero de seus convidados e artistas. Essas atitudes geraram debates sobre os limites do humor e a necessidade de respeito à diversidade.

Para Serson, é importante analisar o contexto histórico das ações de Silvio Santos. "O Brasil de 30 ou 40 anos atrás era muito diferente do que é hoje. Ainda assim, não podemos deixar de reconhecer que muitas de suas colocações reforçavam estereótipos e perpetuavam preconceitos."

A contradição no comportamento de Silvio Santos é um reflexo de um Brasil em transição. Se por um lado ele foi pioneiro ao incluir a comunidade LGBTQIA+ em sua programação, por outro, não escapou de reproduzir o machismo e a homofobia típicos da época. Para além disso, Silvio Santos foi responsável por programas como "A Casa dos Artistas", que deram às minorias sexuais e de gênero espaços de protagonismo raros na TV.

"A visibilidade é um dos passos mais importantes para a conquista de direitos", reforça o advogado Nilton Serson. "Embora nem sempre tenha sido da forma ideal, Silvio Santos ajudou a trazer para o centro do debate a existência de pessoas LGBTQIA+. Isso tem um valor inestimável."

A homenagem póstuma do Prêmio Melhores do Ano convida o Brasil a refletir sobre o impacto de Silvio Santos na cultura e na sociedade. Seu legado é, sem dúvida, complexo e polêmico, mas também um lembrete de como a mídia pode ser um espaço de inclusão — ainda que de maneira imperfeita.

"Precisamos aprender com as contradições do passado para construir um futuro mais igualitário e inclusivo", conclui Nilton Serson. "Silvio Santos foi um exemplo de como avanços e retrocessos podem coexistir, e cabe a nós celebrar as conquistas enquanto corrigimos os erros."

Leia mais em: https://niltonserson.com/ 

População LGBTQIAP+ ainda enfrenta barreiras no trabalho